VI CONFERÊNCIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. | FOCO: Populações Vulneráveis
Tema: A situação do Colectivo LGBTI em Angola – Paula Sebastião representante do Arquivo de Identidade Angolano
Esta é uma linha de tempo que nos conta esse caminhar do movimento LGBTQI angolano.
Há múltiplas identidades que, por imensos factores seja sociais, culturais e económicos, temos de desmistificar para que mitos como de um não existir ou nunca ter existido não possam ter lugar. Mitos que invizibilizam as estimativas – embora ainda ligadas apenas ao VIH – dos 23.100 Homens que fazem sexo com Homens em Luanda, , dos 4.400 em Benguela, dos 800 em Bié, 700 em Cabinda e 400 no Cunene do Estudo PLACE realizado pelo projevto LINKAGES, INLS e a Tchikos entre 2017-2018.
Não estão longe essas múltiplas identidades. Muitas se encontram em nossas casas, nos nossos bairros , no nosso trabalho e principalmente no lugar de transformação do espaço civil. Hoje, felizmente é possível falar de um movimento, jovem ainda com apenas sete anos mas um movimento LGBTIQ, sem dúvida. Um que caminha para lá da íris Angola , criada em 2013 e que nos permita falar de um Arquivo, de dois movimentos trans (o Eu sou Trans e movimento T), de visibilidades Lésbicas e diversidade pansexual. São cerca de 7 grupos. Várias são as múltiplas identidades de representação de orientação sexual, identidade e expressão de género.
Grupos jovens, voluntários que entre os seus 15 e 25 anos , mesmo desprovidos de condições económicas fazem o seu socioactivismo acontecer numa ânsia por tornar seguro, sem discriminação esses espaços que criam e tantos outros por onde passam. Espaços rua, família, emprego cujos factores socioeconomicos muitos vezes se lhes impede de um existir que seja seguro.
Este foi certamente um ano histórico para esse caminhar de mudanças por espaços seguros. Um que eventualmente concretizaremos em práticas de não discriminação. Mas por agora , é importante o passo de se ter chegado aqui. Aqui onde a primeira organização LGBTIQ – A Associação íris Angola – foi registada como uma organização de direitos humanos quando tantos de nós são perseguidos na região, mais alarmantemente vos falo do que se passa no Uganda e na Zâmbia. Aqui, num lugar de eliminação de dizeres como “vícios contra a natureza” e de protecção contra a discriminação que tanto nos deu o novo Código Penal.
É por este documento, que nós , dentre os vários outros países africanos de língua portuguesa podemos dizer que se fez história porque nenhum desses países (Cabo Verde, São Tomé, Moçambique e Guiné Bissau) não mais recai uma norma que se refira a vícios contra a natureza e tão pouco se lhe possa entender como crime, se alguma vez o foi. Despenalização da homossexualidade, muitos assim se referem , numa noticia que correu mundo após a aprovação do código penal a 23 de Janeiro deste ano.
Um momento histórico, por sermos o último dentre os países de língua portuguesa em África nesse caminhar, por sermos mais um, este ano juntando a “descriminalização da homossexualidade”, ou melhor ao reforço de protecção de pessoas LGBTIQ, junto ao Botswana e África do Sul e quase quase ao Quénia e agora quase lá às ilhas Maurícias que aos poucos vai dando esses passos.
Um compromisso renovado ao longo do ano, certamente. Pela abstenção na Renovação do Mandato do Especialista de SOGUIE deste ano – em que o apoio do Ministério da Justiça e da delegação angolana em Genebra foi imprescindível – , ou ainda do compromisso em incluir o Arquivo nas discussão dos relatórios internacionais, mencionando os relatórios sombra da CEDAW e UPR que submetemos.
São este votos renovados desse compromisso a cada passo de aliança que se firma que vemos se tornar possivel a existência de múltiplas identidades. Passos que nos permitam aqui falar das respostas que o próprio movimento LGBTIQ tem dado de forma a existir em segurança. Segurança de ser, estar e de poder viver, de condições sociais, económicas, culturais que garantam acesso à saúde como tem sido o incansável trabalho da iris por meio dos seus projectos em centros de saúde desde formações e em particular como novo Vogal para populações Chave na ANASO; , no acesso a emprego e educação como tem sido garantido pela AIA por meio de cursos profissionalizantes reconhecidos pelo MAPTESS no seu espaço cultural abrigo No Cubico; Ou a visibilidade como uma luta pela não discriminação e bullying nas escolas como tem sido o trabalho do Movimento Eu sou Trans e do Movimento T por campanhas de sensibilização e visibilidade; e o acesso à justiça através da criação de um guia de direitos por todos os colectivos LGBTIQ.
Uma segurança que garanta o bem estar familiar , onde a violência seja física, verbal ou mesmo sexual não mais ocorra e com ela as expulsões com base na orientação sexual, identidade e expressão de género não mais sejam uma realidade de tantos jovens que por serem que são se vêm desamparados , sem onde dormir e comer.
Isto do que aquilo vos falo depende de muitos de nós que aqui estão. Não se trata de uma especificidade ou de direitos especiais, trata-se de melhorar o geral, das respostas concretas às condições sócio económicas que se enfrentam para que se possa ser mas mais importante trata-se de mudar mentalidades.
É por mudar mentalidades, que pensamos ser possível:
• Rever a actual lei de violência doméstica para incluir a violência de género, uma que para forneça uma resposta à violência enfrentada por pessoas LGBTIQ, especificamente a enfrentada dentro da familia
• Alterar a lei nacional de educação e os tópicos aprovados para o currículo educacional na escola, especificamente para incluir orientação sexual e identidade e expressão de género como forma de combater o bullying nas escolas seja por alunos seja por professores
• Redefinir na estratégia do VIH a definição de população-chave para uma que inclua todas as pessoas LGBTIQ como forma de dar resposta à de dados e estimativas populacionais ligadas à comunidade em si bem como respostas à necessidades de saúde de mulheres LBQ, homens trans e pessoas intersexo
• Reforçar a implementação do novo Código penal, em particular o artigo sobre a discriminação de forma a garantir que o assédio e exploração sexual vivenciado por mulheres LBQ ou mesmo homens gays não ocorra
• Alterar a lei do trabalho para incluir a não discriminação com base na orientação sexual para acessar o emprego ou serviços como estipulado no novo Código Penal, como forma de reforçar esse direito.
• Alterar os formulários anexados ao plano estratégico nacional de saúde para incluir informações sobre pessoas intersexuais, referindo-se especificamente a três tipos de sexo (homem, mulher e intersexo)
• Necessidade de procedimentos para facilitar o acesso à justiça, desde treinos sobre questões ligadas a orientação sexual, identidade e expressão de género e estudos comparativos de casos na região
• Necessidade de programas de combate ao estigma e a discriminação que sejam informativos e não difamatórios
É esse caminhar que nos atrevemos dizer que cresce com este movimento LGBTIQ que mesmo com a sua extensão de letras ecoam sons de um lugar. O lugar de querer ser e pertencer. Letras que ecoam onde estamos e como nos sentimos mas mais do que isso, onde pretendemos chegar. É sem duvida político e sem duvida uma discussão de género. É repensar o antes fugindo aos mitos de um não existir.
Hoje nos atrevemos dizer que esse existir, repensar começa, com a vossa ajuda, a vossa aliança num ideal de que a nossa identidade começa aqui, tonando possível as múltiplas formas que somos. É com esses passo de pensar possível a mudança de mentalidades que vos agradeço e convido por esse caminho que ainda agora começou .
Felizmente!